domingo, 6 de dezembro de 2015

Garimpo de Palavras

Foi tão estranho.
Busquei pelas palavras,
Me senti fanho.

Foi tão louco.
Busquei pelas palavras,
Me senti rouco.

Foi tão repentino.
Busquei pelas palavras,
Me senti sem tino.

Foi tão suspeito.
Busquei pelas palavras,
Me senti sem jeito.

Foi tão voraz.
Busquei pelas palavras,
Me senti sem gás.

Foi tão demente.
Busquei pelas palavras,
Me senti ausente.

Foi tão gozado.
Busquei pelas palavras,
Me senti transtornado.

Foi tão forçado.
Busquei pelas palavras,
Me senti cansado.

Fingi que não buscava
As palavras, de repente,
Como gemas, eu lavrava.



domingo, 22 de novembro de 2015

Aforismos. Mais algumas tentativas.

1. Algumas coisas esquecemos, outras teimam em ser lembradas. O problema é que na vida não escolhemos em que categorias elas vão ficar.

2. Sem qualquer medida, não fez o que era preciso. Só o impreciso.

3. Acreditava tanto na construção social da realidade que esqueceu de olhar para os lados ao atravessar a rua. Já não acredita tanto!

4. Teve uma vida límpida como água pura. Inodora, insípida e incolor. Morreu de tédio!

5. Pensar é como amar. Não há como explicar. Você aprende na prática. De vez em quando, dói.

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

O que nós somos?

Esta pergunta me foi feita há vinte e quatro anos atrás. Veio de Paloma essa indagação que, a princípio, me assustou. Naqueles dias já praticávamos nossa conversação bilingue. Paloma e Fernanda falavam em inglês e eu respondia em português. As duas foram primeiramente alfabetizadas em inglês. Me indagou ela:
_ Daddy, what are we?
Paloma, então, se aproximava dos seis anos de idade e havíamos chegado de sua escola onde fora buscá-la. Estávamos na Universidade de Lancaster onde morávamos. Telma estava fazendo seu doutoramento nesta universidade. Eu fazia o meu na Universidade de Manchester. Fernanda, um ano mais nova, frequentava a mesma escola em Galgate, pequena vila ao sul da cidade. Buscá-las na escola era algo que fazia quando não estava em Manchester. Muitas vezes, ia de manhã para a Manchester Business School e voltava à noite. Mas, não precisava ir todos os dias.
Passado o susto, perguntei o que ela queria saber. Não era uma questão existencial, como eu temia. Era mais direta, mas não mais simples.
A escola que Fernanda e Paloma frequentavam recebia muitas crianças estrangeiras. Eram os filhos e filhas dos estudantes que vinham de outros países estudar na universidade. A escola era vinculada à igreja anglicana, mas tinha uma abordagem eclética nos estudos de religião já que recebia crianças cujos pais tinham as mais diversas crenças.
Paloma queria, simplesmente, saber qual era nossa religião. Ela tinha amigas anglicanas, muçulmanas, católicas, judias, protestantes e budistas. É provável que tenha sido questionada sobre o que éramos.
Mais aliviado, lá fui eu explicar a uma menina com pouco mais de cinco anos porque não tínhamos uma religião. Me lembro que disse algo assim:
_ Filha, sua mãe e eu não temos uma religião. Não acreditamos na existência de deus. Mas, quando você crescer, você poderá fazer sua escolha. Nós não podemos fazer essa escolha para você.
Não sei como Paloma lidou com isso na escola. Ela nunca mais tocou no assunto.
Para mim, ficou a esperança de que ela tenha aprendido naquela escola como é importante conhecer o diverso e respeitá-lo. Cada uma daquelas crianças era adorável apenas por ser criança. Não importava a crença religiosa de seus pais. Me lembro de um convívio harmonioso daquelas crianças que volta e meia estavam em nossa casa.
Quanto a mim, acho que ela e Fernanda descobriram, ao longo dos anos, que além de tentar responder a suas dúvidas, estou sempre torcendo por suas escolhas na vida. É para isso que servem os pais.
E, sem nenhuma surpresa, acabei me tornando professor. Respondedor de perguntas que respeita as escolhas de cada estudante. Simples assim.
Quanto ao que nós somos, creio que você tem uma resposta própria.

Diário de bordo

Cogito
Digito
Quase vomito.

Reflito
Aflito
Surge algum escrito.

Rumino
Ilumino
Continuo menino.

Penso
Senso
Na viagem, tenso.

Tento,
Atento
Versos invento

Aborrecimento
Engarrafamento
Na estrada, lamento.

Escureceu
Para espanto meu
Meu pé adormeceu.

Livro já li
Vou logo ali
Fazer xixi.

Fui...

Aforismos

A ficção é, para muitos, fonte da convicção.
Saiu da escola com olhos bem treinados. Mas, tão míopes!
Sem poesia não se imagina uma utopia. Sem utopia não há porque caprichar na caligrafia.
Às vezes corremos tanto que ao chegar esquecemos porque partimos.
Estava tão cheio de si e, ao mesmo tempo, tão vazio.
Fez um discurso tão sem nexo, que o côncavo virou convexo.

A guardiã da memória e o deus do tempo (Uma homenagem a minha mãe)

Em 17 de janeiro de 2008, Silvana Leão escreveu uma reportagem na Folha de Londrina. Nela, relatou o trabalho de registro da história familiar e da cidade onde meus irmãos e eu nascemos, Londrina, que minha mãe Kilda fez ao longo de mais de 40 anos. Silvana Leão, deu à reportagem o título "Kilda, uma guardiã da memória".
Nesta reportagem, a jornalista relata o trabalho que minha mãe teve de montar álbuns com registros jornalísticos e fotográficos de inúmeros momentos da vida de cada um dos filhos, de seus ancestrais e das famílias Prado e Gimenez. Foram dezenas de registros personalizados, em formato de biografias, e inúmeros álbuns com recortes de jornais. U m dos mais significativos foi o que fez sobre a história do Colégio Londrinense, do qual fez parte da primeira turma de ginásio. Neste colégio, meus irmãos e eu também fizemos nossa formação escolar nos antigos primário e ginásio.
Mas, o que Silvana Leão não podia imaginar é que, ao dar a uma simples mortal o título de guardiã da memória estava desafiando o deus do tempo, o velho Cronos. Este, aparentemente adormecido, ficou furioso ao ver a ousadia de uma mera humana querer usurpar suas funções. As notícias sobre a repercussão da reportagem chegaram rápido, levadas pelos ventos, a comando de Éolo. Cronos ficou furioso e, vingativo como todos os deuses, disse:
_ Essa atrevida não perde pro esperar! Não tenho pressa, mas um dia ela vai ver o que lhe está reservado.
Realmente, Cronos, assim como todos os deuses, é imortal, portanto não tem pressa, e impiedoso. Ficou aguardando o momento em que poderia agir. Esse dia demorou quase sete anos e meio. O que para nós mortais parece muito, para Cronos foi como um segundo.
Kilda, em agosto desse ano, adoeceu. Passou quase trinta dias em uma UTI hospitalar. Foi o momento para o vingativo deus do tempo preparar sua vingança. A cada dia na UTI, Kilda parecia perder sua memória. Quando finalmente conseguiu se restabelecer, parecia que havia esquecido tudo. A guardiã da memória havia perdido a sua memória?
Não! Cronos é um deus mais sofisticado. Esta vingança seria muito simples. Ele queria algo mais impactante: dar uma lição aos humanos:
_ Ninguém pode querer ser guardião ou guardiã da memória!
Vivia exclamando isso por todos os cantos do Olimpo.
Cronos foi ardiloso. Enquanto Kilda estava semiconsciente na UTI, ele fez o seu jogo de cartas. As memórias de Kilda, assim como as nossas, ficam guardadas em fichas que se parecem com cartas de baralho. Mas, nosso baralho mental tem muito mais que quatro naipes. São quase infinitos, pois há um naipe para cada tipo de emoção que vivenciamos. A cada experiência vivida, vamos acumulando cartas com o mesmo naipe em cantos distintos de nosso cérebro.
Cronos sempre soube disso. Poderoso, aproveitou-se do descuido de Kilda e embaralhou todas as cartas de seu cérebro. Quando ela saiu da UTI, já não tinha mais como saber os naipes corretos de cada vivência em seu 89 anos. Começou a misturar tudo!
Mas, Cronos foi tapeado!
Kilda, uma mulher precavida, ao ver o título que recebera naquele dia em 2008, lembrou-se de seus estudos da mitologia grega. Desde aquele dia, sabia que alguma coisa poderia lhe acontecer. Temia a ira de Cronos. Se preparou para ela.
Nesses sete anos e meio, sempre que podia, me contava muitas histórias. E, sempre as repetia. Muitas e muitas vezes me contou histórias que já tinha me narrado em outras ocasiões. Eu não entendia por que ela assim o fazia.
Mas, agora eu sei. Hoje, ela me contou algumas histórias, mas graças às artimanhas de Cronos, elas saíram de seus lábios totalmente embaralhadas.Fragmentos de vida, de diferentes momentos, misturados como se tivessem ocorridos ao mesmo tempo. Como se todos tivessem o mesmo naipe.
Eu, pacientemente fui separando os fragmentos e juntando aqueles que tinham os mesmos naipes. Era como se montasse alguns quebra-cabeças ao mesmo tempo! Os fragmentos, com seus naipes corretos, estão em minha memória.
Me dei conta do que minha mãe fizera. Ao longo dos últimos anos foi me preparando para continuar o embate com Cronos. Cronos, essa criação humana, pensa que é mais ardilosa do que nós humanos. Dona Kilda deu uma lição a ele. A criatura jamais é mais poderosa que aqueles que a criaram.

Duas Lágrimas

No ônibus a caminho de Londrina. É um parador! De Curitiba, já passou por Ponta Grossa, Imbaú e Ortigueira. Não sei qual será a próxima parada.
Minha leitura de bordo já concluí. No sistema de vídeo interno, um filme que já assisti. Sono já se foi após uma hora de viagem entre Ponta Grossa e Imbaú.
Em Ortigueira, ouço a conversa de um passageiro sentado em algum lugar mais ao fundo. Fala ao celular. Ao final, se despedindo, descubro quem está no outro lado:
_ Filha, dê um beijo em sua mãe. Diga que eu amo ela. Ela pode acreditar.
A frase de despedida me sugere um casal em crise. Dá sentido à primeira fala dele:
_ Em Imbaú o celular estava sem sinal. Aqui acabou de tocar. Vou tentar ver uma placa para saber onde estou.
_ Em Ortigueira. Alguém diz a ele.
Imagino que tenha sido cobrado por não atender o telefone antes. Deve ter sido a mulher, pois durante o diálogo houve troca de interlocutor. Imagino a cena. Mulher irritada passa o telefone para a filha:
_.Tô. Conversa com seu pai. Esse traste!
O tom de voz desse passageiro, cujo rosto não enxergo, desperta minha emoção. Esta se faz acompanhar da imaginação. Sinto tristeza na forma como disse as últimas palavras.
Enxergo uma lágrima correr pela face do pai. Do outro lado da linha - sei que celular não tem linha, mas a poesia exige essa frase - outra lágrima deixa sua marca em um rosto de menina. Uma porta bate com força. Se ouve um palavrão.

Primavera em Curitiba

Às vezes me irrita
De frio, até minha alma tirita
Preciso de uma birita.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Escambo emocional (um pouco surreal)

Troco uma estranheza
Por um pouco de leveza
Troco uma melancolia
Por uma melancia
Troco um ora veja
Por um saco de cereja
Troco um estremecimento
Por qualquer sentimento
Troco tanto tédio
Pelo seu assédio
Troco um estorpor
Por qualque isopor
Troco esse meu rubor
Pelo seu doce sabor
Troco minha loucura
Por salame meia cura
Nesse escambo imaginário
Só não aceito sofrimento
Em troca desse encantamento.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Saraudades (ou Só em Lisboa)

Só em Lisboa.
Ficar à toa,
Pensar que a vida voa.
Mas falta você,
Pra eu ficar de boa.
Só em Lisboa.
Depois de comer uma broa,
O que será que vem pela proa?
Não importa, queria você
Pra eu ficar de boa.
Só em Lisboa.
Vi tanta coroa,
Ameaça cair garoa.
Sabia meu pai, que sem você,
Não dá pra eu ficar de boa.
Só em Lisboa.
Essa vida que escoa,
Saudade me esboroa.
Vou pra casa ter com você,
Pra eu poder ficar de boa.
Só em Lisboa.
Café também se coa,
De meu sotaque alguém caçoa.
Me lembro como seu sorriso
Me faz ficar de boa.
Só em Lisboa.
Tanta turista alemoa,
Garçom se chama Figueiroa.
Com um pastel de nata,
Finjo que estou numa boa.
Só em Lisboa.
Pensei em ensaboa,
Mas é só uma rima que soa.
Faltam poucas horas
Pra eu ficar de boa.
Só em Lisboa.
Embora isso me doa,
Já que aqui estou à toa.
No Cinema São Jorge, filme francês
Também é uma boa.

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Helena e eu

De Helena Kolody em 1989:
Invento uma lua cheia.
Clareia a noite em mim.
Eu em 2015:
Procuro uma lua plena,
Invento de uma tal Helena.
Clareou a noite nela,
Me ajudará se precisar dela.

Depois do filme

Na solidão,
Transborda inspiração.
Na multidão,
Só transpiração.
(Inspirado em Jia Zhang-ke no documentário de Walter Salles)

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Coração passageiro

No vôo havia um coração a mais. De Londrina para Curitiba, além de passageiros e tripulação, viajava solitário um coração. Ia em busca de um novo corpo. Já tinha cumprido uma missão e destinava-se para outra. Não sei quanto durou a primeira. Mas que seja longeva a segunda!
Graças a esse passageiro singular nosso vôo foi mais rápido do que o usual. Vou chegar mais cedo em casa.
Veja só coração passageiro , sua viagem trouxe pequenas alegrias a mais de uma centena de passageiros que compartilharam o privilégio de sua companhia. Muito maior será a alegria que você causará quando chegar a seu destino.
Pois é, fiquei pensando nisso. Na vida, nem sempre conseguimos causar um impacto tão grande quanto o seu. Mas, me conforto ao pensar que ao longo dos anos, talvez, tenha ajudado alguns a chegarem mais cedo em casa. Pequenas alegrias! Para as grandes ainda não estou preparado. Será que estarei um dia?
Foi só uma pergunta retórica. A resposta não importa. O que importa é a jornada. Um longo caminho de descobertas. Que meu coração permaneça junto a mim por muito tempo! Ele não poderá servir a outro. Judiei muito dele! Se não me deixar será uma grande alegria.

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Primeira tentativa de um Tanka

Corri o mundo.
De repente, parado,
Olhei pela janela.
Já sem fôlego,
Parou também o mundo.
(Tanka: poema japonês, com a mesma estrutura do haikai, acrescido de mais dois versos heptassílabos)

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Melancolia

Ao fim da tarde,
antes da noite,
minha alma arde.
Onde o açoite?
Lá fora, quem sabe!
Em mim, talvez!
Para que isso se acabe?
De você, apenas um beijo.
Nem precisa do queijo!
Tão simples assim,
Nessa melancolia se dá um fim.

Cotidiano 1

Ônibus chegou
partiu
lá fora ficou
de Curitiba o frio.

Cotidiano

Sede imensa.
Na geladeira, jarra.
Na cama, espreguiça.
_ Amor, está na cozinha?

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

No Parcão

Atrás da bola, cachorro late,
Guri se enrola, guria palma bate.
Lágrima sorrateira surge então.
Lembranças de um vate:
No tempo de menino, um cão.
Nas brincadeiras, muita arte.

sábado, 29 de agosto de 2015

Fim de Ciclo

Fim de ciclo!
Em pouco tempo
Me reciclo.

Recomeço!
Em algum tempo
Sem tropeço.

Segue vida!
Neste tempo
Faço a lida.

Poesia Prosaica

Vendo um bule
Para no jóquei clube
Apostar uma pule.

Vendo um coador
Para na loteria
Tentar ser ganhador.

As xícaras? Não vendo!
Pode ser que no café turco
A sorte acabe vendo.

(Depois de ver João Cabral em Recife-Sevilha de Bebeto Abrantes)

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Sem sono

Amigos incomuns
No Facebook se tornam
Amigos em comum.
Depois que te vi
Voei nas asas
De um bentevi.
Nessa hora
Na cama tão só
Sono foi simbora.
Sem que nem porquê
Lembrei de quão ruim era
Jogando bilboquê.
Errando
Por caminhos
Fui me acertando.
Ouvi estrelas
Enxerguei o vento
Cheirei o som
Tateei o amor
Do mundo, senti o sabor.

terça-feira, 11 de agosto de 2015

sábado, 1 de agosto de 2015

Sua Pele

(Para Sara)

Em sua pele,
Minha mão pouso.
Você não me repele.

Do ar condicionado,
Frio na sua pele
Me deixa incomodado.

Com seu tato,
Calor se faz aos poucos.
Da vida, um fato.

Desejo entao surge.
Em cada poro seu
Explorar sua pele, urge.

Com lábio umedecido,
Satisfaço sem pudor
Desejo assim tecido.

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Exercimento


Sem sentimento
Não há alento
Só esquecimento.

Falta talento,
Sobra tanto vento,
Eita! Que arrependimento.

Esmorecimento,
Amor no cimento
Aborrecimento.

Momento,
Comento,
Corrimento,
Sofrimento,
Adiamento,
Espantamento.

Vida em tempo lento
Segue rumo de catavento,
Sem pressa, apenas pressentimento.

Excitamento
Esclarecimento
Estabelecimento
Embelezamento
Em andamento.

Seu descobrimento
Trouxe iluminamento
E algum sombreamento.

Estranhamento
Enlouquecimento
Despertamento.

Enfim, nesse caminhamento
Surge acabrunhamento
De quem do poetamento
Não  sabe o fazimento. 

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Sobre(vi)ver

Ver, prever,
Antever, rever,
Descrever, vi(r)ver.

Em seu olhar, eu ser?
Outro ser? Falser?
No meu? Sobreviver.

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Mais um trago

Um dia vi um anjo.
Como disso pouco manjo,
Pode ser que fosse arcanjo.
Sem asa, tocava um banjo.
Me disse: O mundo precisa de arranjo.

Não me pareceu um anjo torto,
Não me mandou ser gauche na vida.
Me serviu vinho do Porto,
Perguntou como ir ao horto.
Fiquei absorto:
Será que estou morto?

Veja só que disparate,
Disse o anjo em cheque mate:
Criança que é engraxate,
Cachorro que muito late,
No fraco alguém bate,
Talvez até mate!
Violência por toda parte,
Viver é um embate!
Qual será o arremate
Desta vida que nos abate?
Dessa vida tão biscate?

Na boca um travo amargo,
O anjo se pôs ao largo,
E eu pedi mais um trago.

domingo, 3 de maio de 2015

Domingo em Pauta

Vontade falta
preguiça em alta
nada em pauta
Nesta vida incauta
fome assalta
ceia lauta
Vi um astronauta
na lua tocar flauta
enquanto salta
Tão peralta
parece um pernalta
me sobressalta
Final. Saio da ribalta.

Desejo

A esmo,
em ti mesmo,
me arrasto como lesmo.

Brilhante,
em ti bacante,
meu rastro marcante.

Pegajoso,
em ti meu gozo,
enfim pouso.

terça-feira, 21 de abril de 2015

Infantil

No aeroporto
Passa borboleta.
Em vôo solitário
Leva, consigo, meu imaginário:
Será que em seu destino 
Torre de controle
Evita desatino?
No aeroporto
Fico absorto!

domingo, 19 de abril de 2015

Sobre a Amizade

Volto ao tema
Para expor dilema.
Depois da tensão
Em tempo de eleição
Acabou a relação.
Mais de quinze anos
Construíram amizade.
Algumas horas
Trouxeram quase inimizade.
Tempo passando,
Quase seis meses chegando,
Cá estou matutando.
Sentimento de luto
Me deixou muito puto.
Hoje resta duvida:
Amizade não era tão forte
Ou temperança não deu o norte?
Resposta não importa.
Sabedoria não se herda,
Tudo continua a mesma merda!

Outonices

Tempo sombrio
Me desfolho
Mas não perco o brio
Tempo soturno
Me desfolho
Com vento noturno.
Tempo apressado
Me desfolho
Estou cansado.
Tempo de outono
Me desfolho
Antes de vir sono.
Vai outono vai,
Deixa o inverno chegar
Pra depois primaverar.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Rapidinha

Aos cinqüenta e oito,
Pensa no coito
Pega outro biscoito!

Na onda do mar (Versinhos Ingênuos?)

Pensando em Sara!
Lua tão cheia
Na onda do mar
Desmancha na areia.
Você tão nua
Na onda do mar
Qual branca lua.
Lua crescente
Na onda do mar
Amor tão premente.
Você, de repente,
Na onda do mar
Se faz meu presente.
Lua minguante
Na onda do mar
Desejo gigante.
Você suspirante
Na onda do mar
Me faz aspirante.
Lua, onde? cadê?
Na onda do mar
Só quero você!
Tão branca, tão nua,
Na onda do mar,
Em qualquer lua,
Sempre na sua.

domingo, 5 de abril de 2015

Insensatez

Evanescente
Efêmera lucidez 
Na sombra se desfez.
Restou da razão
Uma tênue tez
Da simples nudez
Crescente insensatez.

terça-feira, 31 de março de 2015

Passeio Público

Vamos amor?
Mariposa matinal
Vende sexo banal.
Agora não, flor!
Responde velho
Galanteador.
Já é outono!
Folhas amarelas
Nas passarelas.
No banco frio
À sombra da figueira
Da cena rio.
Sorrio, sou rio.
Aquele que passa
Por quem também passa.

sábado, 28 de março de 2015

Medicação

Nostalgia
Às vezes parece
Nevralgia.
Sem nostalgésico
O jeito é apelar
Para analgésico.

Cronicidade

Criancice,
Como demora essa
Meninice!
Adolescente,
Me creia, você é mais
Que aborrecente.
Inquietude,
Na juventude
Quer completude!
Na adultice,
Séria idade, mas com
Muita cretinice.
Serenidade,
Na terceira idade
Sem novidade!
Enfim, senilidade!
Adversa idade, do tempo
Uma maldade!

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Se soubéssemos...

Como dói a palavra,
Teríamos dito
O que foi mal dito?

Como fere a razão,
Teríamos perdido
Aquela paixão?

Como corta o grito,
Teríamos sussurrado
E não berrado?

Como sangra o sarcasmo,
Teríamos amado
Mesmo em meio ao marasmo?

Como queima a ironia,
Teríamos terminado
Nossa sinfonia?

De tudo antes,
Seria ainda como dantes
No quartel d’Abrantes?

domingo, 15 de fevereiro de 2015

Três haikais

Chuva persiste
No fio elétrico
Pardal resiste.
Será que se banha?
Ou da imaginação
É outra artimanha?
Um pombo cisca
Minha alma arisca
Não é boa bisca.

sábado, 14 de fevereiro de 2015

Autorretrato

Não trovejo,
Tampouco relampejo
Apenas vejo.
Não chuvisco
Nem faço rabisco
Pra não correr risco.
Sei que medito
Às vezes, tenho dito
Me prefiro escrito.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Daltonianos

Em curta frase
Vampiro de Curitiba
Muita dor cause.
Faz da velhice
Tempo de doidice
Sem pieguice.
Verbo conciso
Leve sutil estrago
Em fraco siso.
(depois de alguns contos de D. Trevisan na biblioteca do Paço da Liberdade)

Exercício em Os

Óculos escuros
Ócios escusos
Ósculos impuros
Ódios confusos
Oráculos obscuros
Ópios difusos
Obstáculos em muros
Ímpios sonâmbulos
Apenas preâmbulos
Em busca de fâmulos.
(Depois de ler Contos Breves de Apollinaire)

Desatinação

Desatinação, minha intenção.
Desafinação, destinação,
Desatenção, desativação,
Do corretor, tanta sugestão!
Desafinado, (pré)destinado,
Desatentado, em teimosação, obstinado
Desativei, do corretor, impertinação.
Enfim, escrita sem intervenção.

Gosto do Amor

Sabe a mar
Sabe a dar
Sabe a lida
Sabe a vida
Sabe a dor
Sabe a cor
Sabe a luz
Sabe tanto que seduz
Ai, que urgência me dá
Esta arte do piá.
(Depois de ler A arte de Amar de Ovídio)