Espelho Mágico – Mário Quintana
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Meus Reflexos
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Da Observação
Não te irrites, por mais que te fizerem...
Estuda, a frio, o coração alheio.
Farás, assim, do mal que eles te querem,
Teu mais amável e sutil recreio.
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Não se irrite
porque você vai ficar
só com rinite.
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Do Estilo
Fere de leve a frase... E esquece... Nada
Convém que se
repita...
Só em linguagem amorosa agrada
A mesma coisa cem mil vezes dita.
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Mil vezes dita
palavra em que você
nem acredita.
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Das Belas Frases
Frases felizes... Frases encantadas...
Ó festa dos
ouvidos!
Sempre há tolices muito bem ornadas...
Como há
pacóvios bem vestidos.
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Frases felizes
não conseguem resolver
tantos deslizes.
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Do Cuidado da Forma
Teu verso,
barro vil,
No teu casto retiro, amolga, enrija, pule...
Vê depois como brilha, entre os mais, o imbecil,
Arredondado e
liso como um bule!
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Vê como brilha
areia branca no sol
daquela ilha.
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Dos Mundos
Deus criou este mundo. O Homem, todavia,
Entrou a desconfiar, cogitabundo...
Decerto não gostou lá muito do que via...
E foi logo inventando o outro mundo.
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Deus no mundo
surgiu da mente de um
meditabundo.
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Das Corcundas
As costas de Polichinelo arrasas
Só porque fogem das comuns medidas?
Olha! Quem sabe não serão as asas
De um Anjo, sob as vestes escondidas...
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Serão as asas
da imaginação as
ardentes brasas?
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Das Utopias
Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas!
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Inatingíveis
os múltiplos orgasmos
viram risíveis.
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Dos Milagres
O milagre não é dar vida ao corpo extinto,
Ou luz ao cego, ou eloquência ao mudo...
Nem mudar água pura em vinho tinto...
Milagre é acreditarem nisso tudo!
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Com vinho tinto
tristeza se torna um
corpo extinto.
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Das Ilusões
Meu saco de ilusões, bem cheio tive-o.
Com ele ia subindo a ladeira da vida.
E, no entretanto, após cada ilusão perdida...
Que extraordinária sensação de alívio!
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Cada ilusão
perdida me deixa de
mal com a vida.
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Dos Nosso Males
A nós nos bastem nossos próprios ais,
Que a ninguém sua cruz é pequenina.
Por pior que seja a situação da China,
Os nossos calos doem muito mais...
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Pequenina
dor de cabeça me deu
ninfa menina.
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Da Eterna Procura
Só o desejo inquieto, que não passa,
Faz o encanto da coisa desejada...
E terminamos desdenhando a caça
Pela doida aventura da caçada.
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Doido desejo
sacou o passarinho
do realejo.
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Do Pranto
Não tente consolar o desgraçado
Que chora amargamente a sorte má.
Se o tirares por fim do seu estado,
Que outra consolação lhe restará?
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Tanto pranto
jorrando por causa de
um desencanto?
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Do Sabor das Coisas
Por mais raro que seja, ou mais antigo,
Só um vinho é deveras excelente:
Aquele que tu bebes calmamente
Com o teu mais velho e silencioso amigo...
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Raro que seja,
meu anseio por você
dá brotoeja.
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Dos sistemas
Já trazes, ao nascer, tua filosofia.
As razões? Essas vêm posteriormente,
Tal como escolhes, na chapelaria,
A forma que
mais te assente...
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Filosofia
na chapelaria já
não mais faria.
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Do Exercício da Filosofia
Como o burrico mourejando à nora,
A mente humana sempre as mesmas voltas dá...
Tolice alguma nos ocorrerá
Que não a tenha dito um sábio grego outrora...
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Sabe o grego:
na pós-modernidade
perdeu emprego.
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Das Ideias
Qualquer ideia
que te agrade,
Por isso
mesmo... é tua.
O autor nada mais fez que vestir a verdade
Que dentro em ti se achava inteiramente nua...
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Nada mais verdade
que qualquer pensamento
que lhe agrade.
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Da Amizade entre Mulheres
Dizem-se amigas... Beijam-se... Mas qual!
Haverá quem
nisso creia?
Salvo se uma das duas, por sinal,
For muito
velha, ou muito feia...
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Amigas se beijam
enquanto pelas costas
farpas lampejam.
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Da Felicidade
Quantas vezes a gente, em busca da ventura,
Procede tal e qual o avozinho infeliz:
Em vão, por toda parte, os óculos procura,
Tendo-os na
ponta do nariz!
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Ponta do nariz
segura os óculos
da imperatriz.
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Da Realidade
O sumo bem só no
ideal perdura...
Ah! Quanta vez a vida nos revela
Que “a saudade da amada criatura”
É bem melhor do que a presença dela...
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Sofrendo sem fim,
saudades da amada,
foi feliz com Quim.
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Do Amoroso Esquecimento
Eu, agora – que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?
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Penso mais em ti
ouvindo músicas do
Quarteto em Si.
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Da Discrição
Não te abras com teu amigo
Que ele um outro amigo tem.
E o amigo de teu amigo
Possui amigos também...
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Se teu amigo
tem amigos, segrede
pro teu umbigo.
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Da Preguiça
Suave Preguiça, que do mau-querer
E de tolices mil ao abrigo nos pões...
Por causa tua, quantas más ações
Deixei de
cometer!
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Ai que preguiça!
Fernando não cansa de
encher linguiça!
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Do Ovo de Colombo
Nos acontecimentos, sim, é que há Destino:
Nos homens, não – espuma de um segundo...
Se Colombo morresse em pequenino,
O Neves descobria o Novo Mundo!
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Deu tudo certo
porque Colombo teve
ovo por perto.
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Do Mal da Velhice
Chega a velhice um dia... E a gente ainda pensa
Que vive... E adora mais a vida!
Como o enfermo que em vez de dar combate à doença
Busca torna-la ainda mais comprida...
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Longa velhice,
além das rugas causa
também calvície.
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Da Moderação
Cuidado! Muito
cuidado...
Mesmo no bom caminho urge medida e jeito.
Pois ninguém se parece tanto a um celerado
Como um santo
perfeito...
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Nosso prefeito
finge tanto, parece
santo perfeito.
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Da Calúnia
Sorri com tranquilidade
Quando alguém te calunia
Quem sabe o que não seria
Se ele dissesse a verdade...
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Tranquilidade
para bem suportar
humanidade.
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Da Experiência
A experiência de nada serve à gente.
É um médico tardio, distraído:
Põe-se a forjar receitas quando o doente
Já está
perdido...
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Experiência
não é a mesma coisa
que sapiência.
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De como Perdoar aos Inimigos
Perdoas... és cristão... bem o compreendo...
E é mais
cômodo, em suma.
Não desculpes, porém, coisa nenhuma,
Que eles bem sabem o que estão fazendo...
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Bem compreendo,
mas sem perdão, nenhuma
coisa entendo!
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Da Condição Humana
Se variam na casca, idêntico é o miolo,
Julguem-se embora de diversa trama:
Ninguém mais se parece a um verdadeiro tolo
Que o mais sutil dos sábios quando ama.
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Um verdadeiro
tolo faz rir mesmo sem
um picadeiro.
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Da Própria Obra
Exalça o Remendão seu trabalho de esteta...
Mestre Alfaiate gaba o seu corte ao freguês...
Por que motivo
só não pode o Poeta
Elogiar o que
fez?
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Em poucos versos
vou descrevendo como
somos diversos.
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Poemas de Mario Quintana extraídos de Quintana de Bolso: Rua dos Cataventos & Outros Poemas publicado
pela L&PM Pocket, vol. 71, 2013.